quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Inspectores alertam para perigos de facilitar instalações eléctricas

Jornal Público / Luisa Pinto

Governo quer simplificar o regime de certificações. Mas estatísticas de segurança preocupam: em 2015, os 74 incêndios com origem nas instalações eléctricas provocaram dez mortes.

As alterações introduzida pelo Governo no Regime das Instalações Eléctricas Particulares, que foi publicado em Diário da República no passado dia 10 de Agosto, provocaram um clima de preocupação generalizada entre as entidades que até agora eram responsáveis pela fiscalização às instalações eléctricas. Ao eliminar a obrigatoriedade de certificação de todas as instalações, e estabelecendo que os termos de responsabilidade assinados pelos autores dos projectos são “título bastante para a entrada em exploração e para efeitos dos procedimentos municipais relativos à realização de obras ou utilização de edifícios”, há uma automática diminuição de custos – pelo menos os cerca de 50 euros que custava a emissão do certificado. Porém, alerta o director-geral do Instituto Electrotécnico Português (IEP), uma das entidades que faz fiscalizações às instalações eléctricas, esta alteração “vem essencialmente introduzir sérios riscos na vida de todos aqueles que no futuro irão utilizar instalações eléctricas executadas sem qualquer supervisão”.
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Numa carta que endereçou aos grupos parlamentares, e que assinou em conjunto com os responsáveis do Instituto Soldadura e Qualidade (ISQ) e do Laboratório Industrial da Qualidade (LIQ), Jorge Serra alerta para “o previsível retrocesso qualitativo de todo um percurso de 18 anos, em que se demonstrou inequivocamente o forte incremento da qualidade e fiabilidade das instalações eléctricas, com o consequente aumento da segurança de pessoas e bens”. “Não é desejável que os cidadãos estejam expostos a acidentes provocados por falta de segurança resultante da deficiente execução das instalações ou da aplicação de materiais de qualidade duvidosa ou inapropriados para o fim em causa”, escrevem os responsáveis de todas estas entidades a quem, até agora, a Certiel – Associação Certificadora de Instalações Eléctricas contratava a fiscalização das instalações eléctricas.

Governo flexibiliza inspecções de gás e electricidade
Esta certificação era obrigatória e custava ao particular cerca de 50 euros - uma receita da Certiel, que encomendava a fiscalização a outras entidades do sector, como o Instituto Electrotécnico Português, o Instituto da Soldadura e Qualidade ou o Laboratório Industrial da Qualidade.
O facto de a Certiel contratar a fiscalização destas instalações por amostragem é um dos argumentos esgrimidos pelo Governo para a necessidade de alterar a lei. Assim, todos os projectos têm de pagar para ter uma certificação mas na realidade apenas entre 30% a 40% é que são de facto analisados e fiscalizados. Fernando Mendes, membro da direcção da Certiel, explicou ao PÚBLICO que tal assim foi acordado há mais de uma década e que a amostra é realizada com critério. “Num edifício de apartamentos todos iguais, não fiscalizamos todos os projectos. Mas fiscalizamos, imagine, a sala de um, a cozinha de outro, o quarto de banho de outro. E também temos um sistema que identifica os técnicos que tem tido reprovações. Andamos sempre em cima desses”, explicou.
O orçamento da Certiel, confirmou o PÚBLICO junto da associação, ronda os dois milhões de euros num ano. “Uma certificação devia custar muito mais do que 50 euros. Por esse preço não poderíamos fazer todas as inspecções. Mas o nosso orçamento serve também para concretizarmos os nossos planos de formação contínua, que são fundamentais. Tenho pena de dizer isto, enquanto engenheiro electrotécnico, mas a taxa de reprovação dos projectos ainda é demasiado elevada”, afirmou Fernando Mendes, membro da direcção da Certiel.
É precisamente essa estatística mais negra que os responsáveis do LIQ, IEP e ISQ querem levar aos grupos parlamentares. “Nos últimos 10 anos foram chumbadas, em média, 2430 habitações por ano, pelas diversas entidades inspectoras, por estas apresentarem defeitos graves nas suas infra-estruturas eléctricas, potencialmente causadores de eletrocussões mortais ou de incêndios graves”, diz Jorge Serra. Por exemplo? A ausência de condutor de terra ou ligações mal feitas em banheiras de hidromassagens, que potenciam risco de choque eléctrico, ou a utilização de condutores com secções inferiores aos valores regulamentares e circuitos sem protecção contra sobreintensidades, ambos potenciadores do risco de incêndio.

Governo impõe auditorias externas às instalações eléctricas
“Mais de 60% dos incêndios de origem comprovadamente eléctrica ocorrem nas instalações habitacionais que ficam agora isentas de inspecção, sendo que só em 2015 os 74 incêndios com origem nas instalações eléctricas provocaram 47 feridos, 14 graves, e 10 mortes. São números que nos devem preocupar”, afirmou Jorge Serra.
De acordo com o decreto-lei, o primeiro argumento usado pelo Governo para efectuar estas alterações legislativas foi reduzir o tempo e o custo de investimento que era exigido cada vez que se fazia uma instalação eléctrica, “eliminando as situações de burocracia injustificada e geradora de consumos de tempo e dinheiro que prejudicam o investimento e os cidadãos”. É por isso que a medida está inserida no relançamento do programa Simplex e vai entrar em vigor no próximo dia 1 de Janeiro – o Governo de António Costa decidiu que todas as medidas que imponham alterações ao dia a dia dos cidadãos e das empresas só devem entrar em vigor no dia 1 de Julho ou no dia 1 de Janeiro.
De acordo com a nova lei, é a Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) quem verá as suas competência de segurança reforçadas, uma vez que lhe competirá promover auditorias e verificações técnicas, através dos respectivos serviços ou de entidades exteriores independentes. De acordo com um despacho do secretário de Estado da Energia, publicado nesta terça-feira, a DGEG deverá aproveitar este período de vacatio legis para, até dia 1 de Janeiro, “promover os actos necessários para a aquisição de serviços de auditoria e verificação técnica”, isto é, lançar um “procedimento concorrencial transparente e aberto” que seja celebrado num prazo que garanta o início da prestação de serviços a partir do dia em que entrar em vigor o novo regime.
Notícia corrigida às 12h15 do dia 23 de Agosto: Fernando Mendes não é o presidente da Certiel, mas sim membro da direcção da associação. Pelo lapso pedimos desculpa aos leitores e aos visados

O que vai mudar com a nova lei

Como é actualmente?
Com a actual lei, cada projecto de instalação eléctrica tem aprovação obrigatória pela entidade licenciadora ou certificadora. No caso dos clientes domésticos (com ligações iguais ou inferiores a 10,35 KwA) este pedido é normalmente feito ainda na fase de obra, sendo o construtor civil quem contrata um técnico responsável pela execução e por instruir o processo de licenciamento municipal - e que tem um custo de mercado, regulado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). Esse projecto de instalação é sujeito ao pagamento dos 51,23 euros que estão tabelados como custo da inspecção obrigatória - mesmo que ela não se verifique, uma vez que a fiscalização e a certificação é feita por amostragem. Pelo menos desde 2003 que a Certiel e a Direcção geral de Energia e Geologia entenderam como mais adequado estabelecer em 30% o nível de amostragem das inspecções das instalações eléctricas.

O que vai mudar?
A partir do dia 1 de Janeiro o termo de responsabilidade dos técnicos que assinam o projecto passa a ser suficiente para garantir o cumprimento dos requisitos legais. A consequência imediata é a poupança dos 51,23 euros que eram pagos à Certiel, a Associação Certificadora de Instalações Eléctricas, que contratava várias entidades inspectoras em todo o país.

Vai deixar de haver inspecções?
Não. O Governo não esconde que a sua intenção foi reduzir “o tempo e o custo do investimento em matéria de instalações eléctricas de serviço particular” alimentadas pela rede eléctrica de serviço público (RESP) em média, alta ou em baixa tensão. No caso do licenciamento, tudo passará a ser mais simples através de uma plataforma electrónica que terá de ser montada pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), que é também responsável pela elaboração de manuais de procedimentos e por uma listagem de técnicos responsáveis. É também a DGEG que sairá com competências reforçadas na área da fiscalização, uma vez que é ela que passará a ficar incumbida de assegurar “o sistema de controlo, supervisão e regulação” das actividades associadas a este novo regime de instalações eléctricas de serviço particular.  E, não tendo nos seus quadros meios técnicos e humanos suficientes para o garantir, terá de encontrar uma entidade que lhe preste serviços de auditoria e de verificação técnica através de um “procedimento concorrencial transparente e aberto”, de acordo com despacho já publicado em Diário da República. Um concurso a que a Certiel, entidade que até agora fazia a certificações, poderá, naturalmente, concorrer.


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