[ todos os artigos clicando no texto ]
"António Mexia também vai à sede da empresa alemã, gerando rumores sobre alegadas preferências do gestor por um grupo que lhe poderia abrir a porta a uma carreira num dos maiores player mundiais. O lado chinês, que poucos contactos fez com o governo português, não gostou e fez constar que se ganhasse não manteria Mexia. Mas o presidente da EDP sobreviveu".
---
EDP. Os critérios nunca revelados de uma operação que está a ser investigada pelo DCIAP
Por Carlos Diogo Santos e Luís Rosa, publicado em 2 Fev 2013 - 16:22
O governo continua a manter em segredo muitosdos pormenores da operação de venda da EDP
Os processos de privatização do governo de Passos Coelho têm uma característica comum: são secretos. Informações básicas como os critérios de selecção dos interessados em comprar acções de sociedades privadas detidas pelo Estado, os nomes e os valores das propostas apresentadas pelos concorrentes, quase que têm estatuto de segredo de Estado.
Foi esta confidencialidade que o i tentou quebrar com uma investigação jornalística ao primeiro grande processo de privatização: o da EDP.
A venda da eléctrica nacional, tal como a da REN, está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) por suspeitas dos crimes de abuso de informação privilegiada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. No centro da investigação está o Banco Espírito Santo Investimento (BESI), tal como o i já noticiou.
O BESI, cujo chairman é Ricardo Salgado, começou por participar no processo como assessor do Estado na definição do valor da EDP. O objectivo de José Maria Ricciardi, presidente executivo do BESI, seria continuar a assessorar o governo durante o próprio processo de privatização, mas o Ministério das Finanças tinha outras ideias e deu ordens à Parpública e à Caixa Banco Investimento (as duas instituições do Estado que operacionalizaram a venda de 21,35% do capital social da EDP) para contratar a sociedade norte-americana Perella.
Foi assim que, em Agosto de 2011, o BESI passou a querer assessorar uma empresa interessada na compra da EDP. Na posse de uma release letter (autorização do vendedor, a Parpública, para passar a trabalhar do lado do comprador), José Maria Ricciardi encentou, sem sucesso, contactos com a brasileira Eletrobras, as francesas EDF e GDF Suez e ainda a indiana Aditya Birla.
Quando os diálogos pareciam ter esgotado, e já em cima do início da operação de privatização, o Departamento Internacional do BES tem conhecimento de que um concorrente chinês procurava contratar um assessor português com forte conhecimento da EDP e do sector da energia. A ponte entre o BESI e a China Three Gorges (CTG) foi feita pelo China Development Bank, entidade com que o banco de Ricardo Salgado mantinha uma estreita relação.
A assessoria financeira do BESI começou a ser discutida com a CTG a 17 de Outubro de 2011 e oito dias depois assinaram o mandato.
Entretanto, a 21 de Outubro, seis entidades já tinham entregue propostas não vinculativas: as brasileiras Eletrobras e CEMIG, a chinesa CTG, a alemã E.ON, a indiana Aditya Birla e a japonesa Marubeni.
Cinco dias depois foi publicada a lei que regulava a 8ª fase do processo de reprivatização da EDP, mediante uma operação de venda directa, no dia 8 do mês seguinte é aprovado pelo Estado o caderno de encargos da operação, onde constavam os critérios de selecção das empresas interessadas. Destes destacam-se o preço vinculativo apresentado, a quantidade de acções pretendidas, a salvaguarda dos interesses do Estado e a adequação do projecto estratégico à realidade da EDP. Outros requisitos passavam pela contribuição que cada concorrente pretendia dar à identidade empresarial da EDP, ao reforço da capacidade económico-financeira e à promoção da competitividade do sector energético. A idoneidade, capacidade financeira, técnica e de execução dos investidores, bem como a aposta no desenvolvimento da economia nacional também contavam para a selecção das propostas.
Poucos dias passaram até que uma resolução pelo Conselho de Ministros deixou de fora do processo dois dos concorrentes – a Aditya Birla e a Marubeni - por não cumprirem tais critérios. Ao contrário das restantes quatro, que, além disso, tinham propostas superiores aos 2,85 euros/acção – valor mínimo estabelecido pelo governo.
As reuniões entre a Parpública, a EDP e os potenciais compradores foram várias no período que separou a entrega das propostas não vinculativas e a data limite para a entrega das propostas vinculativas: 9 de Dezembro. Nesta fase – que a EDP reconheceu ser de grande competitividade – os assessores da CTG, o BESI e o Credit Suisse, efectuaram contactos com os assessores do Estado. O BESI focou-se no diálogo com o Caixa BI e o Credit Suisse mais centrado nas negociações com os norte-americanos da Perella, a outra entidade que assessorava a Parpública.
INVESTIGAÇÃO DCIAP Como o i já noticiou, o DCIAP está a investigar indícios da prática de crime de abuso de informação por parte de alguns administradores do BESI, pois a investigação tem a convicção de que estes terão adquirido acções da EDP através de off shores disponibilizadas pela empresa suíça Akoya Asset Managment. O procurador Rosário Teixeira, responsável pelo inquérito criminal, está também concentrado em perceber por que razão os chineses baixaram as suas propostas da 1.ª fase (onde as propostas são meramente indicativas) para a fase final (onde todas as propostas são vinculativas).
No caso da EDP, e segundo indícios recolhidos pelos investigadores, o BESI terá apresentado um primeiro parecer à CTG que apontava para um preço que variava entre os 3,5 euros e os 3,75 euros por acção, cujo ponto médio era de 3,625 euros. Contudo, a proposta final da CTG acabou por ser de 3,45 euros por acção. Esta poupança de 17,5 cêntimos poderá ter levado a uma poupança de mais de 117 milhões de euros por parte da CTG – valor que, segundo o DCIAP, quantifica igualmente a perda patrimonial do Estado, como a revista “Sábado” já noticiou.
Segundo o i apurou, o BESI defende-se alegando a sua intervenção na elaboração da proposta vinculativa se resumiu a duas reuniões com a CTG. Segundo fontes da defesa, a 6 de Dezembro, o BESI esteve representado no Hotel Altis Suites pelos administradores Rafael Valverde, Paulo Martins, Luís Vasconcelos e Miguel Patrício, enquanto que a CTG era representada por Guangjing Cao, chairman da empresa, e Chuxue Lin, vice-presidente executivo. Foi neste primeiro encontro que o BESI deu conta da forte competição e recomendou que a CTG apresentasse uma proposta entre os 3,5 euros e os 3,75 euros por acção, com o referido ponto médio nos 3,625 euros. Ao que o i apurou, os gestores do BESI terão ainda manifestado preocupação com as condições de financiamento da EDP que seriam apresentadas, pelo que terá aconselhado os chineses a insistir com o China Development Bank, para que este se comprometesse a financiar a EDP a uma taxa de juro muito competitiva.
Mas as recomendações não se ficavam por aqui. No dia seguinte os mesmos responsáveis da CTG deslocaram-se à sede do BESI, onde estiveram reunidos com José Maria Ricciardi, Paulo Martins e Luís Vasconcelos. Ricciardi foi ainda mais longe e sugeriu que, para diminuir os riscos, que a proposta deveria ser superior ao ponto médio recomendado um dia antes.
Porém, dois dias depois a CTG apresenta uma proposta muito inferior: 3,45 euros. O BESI garante que só teve acesso a esta oferta depois de ela ter sido entregue, durante uma reunião que aconteceu no final do dia 9 de Dezembro no Hotel Altis Prime.
INCONGRUÊNCIA Segundo fonte oficial do BES, os chineses da CTG ficaram mesmo insatisfeitos com os serviços do BESI e recusam-se a pagar a comissão discricionária prevista no contrato de prestação de serviços.
Contudo, e ao que o i apurou junto de fontes do mercado, terão sido os chineses da CTG que, satisfeitos com os seus serviços, aconselharam o BESI aos igualmente chineses State Grid que viriam a vencer a privatização da REN em circunstâncias idênticas: Uma proposta inferior à aconselhada pelo BESI.
---
EDP. Movimentações, cumplicidades e reuniões da privatização
Por Ana Suspiro, publicado em 2 Fev 2013 - 16:26 | Actualizado há 8 horas 28 minutos
O primeiro grande teste de Portugal junto dos investidores na era da troika contou com a intervenção de Passos Coelho e Vítor Gaspar
O resultado das privatizações da energia foi bom. Deu um encaixe de 3,3 mil milhões de euros, muito acima do preço de mercado da EDP e da REN (Redes Energéticas Nacionais) mas o processo foi pouco transparente desde o início.
O programa da era da troika é o mais ambicioso desde os anos 90, mas arranca com a extinção dos órgãos de fiscalização das privatizações: a Comissão Permanente de Acompanhamento das Privatizações e a sessão especializada de apoio ao Ministério das Finanças.
O governo cria comissões adhoc para cada processo e escolhe figuras independentes para fiscalizar o rigor das operações e produzir relatórios públicos. Mas as comissões são nomeadas em cima da decisão final e os relatórios – o da EDP foi entregue em Agosto de 2012 – continuam sem ver a luz do dia. O processo prossegue com a contratação por ajuste directo da desconhecida, em Portugal, Perella Weinberg, alegadamente por ordem de Vítor Gaspar. A decisão é contestada na banca, em particular pelo BESI (BES Investimento) cujo presidente, José Maria Ricciardi, telefona ao primeiro-ministro a queixar-se da escolha.
A venda de 21,35% da EDP era um teste decisivo sobre a capacidade de Portugal atrair investidores internacionais para uma grande operação, meses após o pedido de resgate. Estava muito em jogo, o que explica o envolvimento pessoal do primeiro-ministro e de Vítor Gaspar. O papel do gabinete de Passos Coelho passa ainda pelo secretário de Estado Adjunto Carlos Moedas e a sua equipa técnica.
Mais dois ministros acompanharam de perto as operações da energia: Paulo Portas e Miguel Relvas. Este chega a fazer contactos com investidores, sendo associado aos interesses brasileiros, muitos fortes na EDP. Apesar de vistos por alguns como favorita e de ter o apoio financeiro do banco público BNDES, a Electrobrás coloca-se fora da corrida. A sua oferta é considerada inaceitável ao nível das regras de governo e não passou no Conselho Geral da EDP – este órgão da eléctrica só valida as propostas da E.ON e da China Three Gorges. O desinteresse de Dilma Roussef em Portugal é apontado como factor de arrefecimento do investimento brasileiro. A Petrobrás já tinha desistido da Galp no início do mandato da nova presidente do Brasil.
No terreno, a Perella, que muitos ligam a António Borges pela amizade com o partner Paulo Pereira, tem um papel mais decisivo do que a Caixa BI, o adviser financeiro que contratou a empresa americana como consultora. No Ministério da Economia, o secretário de Estado da Obras Pública, Sérgio Monteiro, fica com a missão das privatizações, apesar da delegação de competências atribuir a função accionista na EDP e REN ao secretário de Estado da Energia. Henrique Gomes fica com as matéria de mercado, que vão entrar em rota de colisão com a privatização.
PRIVATIZAÇÃO VERSUS RENDAS Gomes quer impor uma taxa sobre as produtoras de energia que tiraria 250 milhões de euros ao valor da EDP. A proposta é trabalhada no Verão para ser aprovada em Outubro, antes de começar o processo formal de privatização. Mas o processo informal já estava em marcha. Desde Agosto que os consultores do governo procuravam investidores para a EDP e a redução das rendas “excessivas” não fazia parte do dote da noiva. A gestão de António Mexia lança uma ofensiva junto do governo: tudo o que retirar valor à EDP é ameaça à privatização. O gabinete de Carlos Moedas terá sido a principal porta de entrada destes argumentos.
Henrique Gomes invoca o risco do défice tarifário para os investidores na EDP, e numa reunião em Setembro, com Gaspar, Moedas e Santos Pereira, o secretário de Estado joga a carta mais forte. Baixar as rendas é a única medida ao alcance do governo com efeito positivo nas empresas e famílias, argumenta. Seria uma decisão política apoiada por todos. Mas se o argumento é político, o sucesso da privatização da EDP está em primeiro lugar, terá respondido o ministro das Finanças. O negócio contaminou a política de energia e os compromissos assumidos com os compradores da EDP tornaram-se óbvios quando Henrique Gomes bate com a porta em Janeiro.
O DUELO ENTRE CHINESES E ALEMÃES De início, Passos Coelho, talvez por influência de Gaspar, estaria convencido das vantagens de um comprador alemão para fortalecer a posição de Portugal no quadro da crise do euro. O envolvimento político dá-se ao mais alto nível e foi intenso na véspera da entrega das ofertas vinculativas. O “Financial Times” noticia a intervenção directa de Angela Merkel junto de Passos Coelho. O primeiro-ministro recebe o presidente da E.ON, numa viagem a Alemanha.
António Mexia também vai à sede da empresa alemã, gerando rumores sobre alegadas preferências do gestor por um grupo que lhe poderia abrir a porta a uma carreira num dos maiores player mundiais. O lado chinês, que poucos contactos fez com o governo português, não gostou e fez constar que se ganhasse não manteria Mexia. Mas o presidente da EDP sobreviveu. Até Vítor Gaspar terá transmitido pessoalmente a boa vontade de Lisboa para o investimento alemão, desde que o preço fosse competitivo. A conversa terá ocorrido quando se sabia que os chineses ofereciam mais.
Não seria sustentável escolher uma oferta muito inferior ao melhor preço, apesar do relatório de avaliação da Parpública ter deixado o caminho aberto a qualquer decisão, ao não fazer recomendação. Mais do que a diferença de preços, o acesso ao financiamento chinês a custos baixos foi decisivo. Ainda assim, Gaspar defendeu a proposta alemã na reunião do Conselho de Ministros que escolheu o vencedor. O ministro das Finanças começou por passar a palavra aos consultores que fizeram a sua apresentação, mas Passos Coelho rapidamente os terá mandado sair, deixando Gaspar sozinho a explicar os seus argumentos.
Apesar de algum desconforto no governo perante a ofensiva chinesa, que transpareceu numa entrevista de Pedro Passos Coelho, preterir a oferta financeira mais alta teria consequências negativas em outras privatizações, designadamente na REN (ver página do lado).
---
REN. Processo de venda esteve por um fio
Por Ana Suspiro, publicado em 2 Fev 2013 - 03:10 | Actualizado há 21 horas 49 minutos
Uma derrota chinesa na EDP poderia ter custado a privatização da REN
As operações na energia eram o teste fundamental para o sucesso do programa de privatizações, mas a venda da REN esteve por um fio. Havia duas teses: A de que os chineses não podiam ganhar as duas empresas e outra que apostava que se fossem afastados da EDP, não avançariam para a REN.
A venda de 40% da Redes Energéticas Nacionais atraiu menos interessados que a EDP e vários ficaram pelo caminho. Os colombianos da ISA eram bem vistos do ponto de vista estratégico, mas na reunião decisiva o representante do Estado vetou a apresentação de uma oferta vinculativa para a REN para evitar a exposição à crise do Euro. Esta foi a razão apontada para a desistência da National Grid, mas outros afirmam que os ingleses queriam o controlo e por isso não entregaram oferta.
Ficaram os chineses da State Grid e a Oman Oil, que tinha interesse financeiro e só quis 15% A State Grid, muito maior que a China Three Gorges, já cooperava com a REN, tal como a empresa colombiana. Os dois eram vistos como preferidos pela gestão REN, face aos ingleses.
O gigante das redes chinesas era um candidato forte que oferecia um bom prémio, mas tinha ambições dificilmente aceitáveis para Portugal. A State Grid queria mais do que os 25% de capital disponíveis e quando não conseguiu, exigiu que este tecto, imposto a accionistas da energia, fosse estendido a todos os investidores. A governance da REN, uma empresa com vários “pequenos grandes” accionistas, era já um problema e os chineses sabendo-se sozinhos quiseram nomear o administrador financeiro (CF) e ter quadros seus em chefias técnicas da REN, obrigando a negociações delicadas que chegaram a bom porto em Fevereiro.