Entrevista ao http://economico.sapo.pt/
“O Estado fez bem em sair da EDP”
África é uma boa aposta em termos de investimentos energéticos, mas a EDP não tem capacidade financeira para avançar para o mercado asiático.
O Estado fez bem em alienar parte da EDP aos chineses?
Independentemente das conversas de empresas estratégicas, e da experiência que tive durante seis anos como ‘chairman' da EDP, o Estado fez bem em sair da EDP. Porque tinha ali uma participação importante mas não actuava como accionista com o poder que tinha. Ou seja, os accionistas com uma participação infinitamente menor do que a do Estado acabam por ter muito mais poder do que o próprio Estado. Ainda cheguei a propor ao primeiro-ministro Passos Coelho, num documento que lhe dei, que o Estado podia, pelo menos, ficar com uma posição residual (2% a 3%). Era uma maneira de no conselho geral e de supervisão acompanhar de perto uma empresa com a importância da EDP.
A proposta não vingou.
Esta proposta não vingou. O que falta reflectir nesta transacção é qual a filosofia do Estado português quando alienou e qual é a filosofia dos chineses quando adquiriram. E a ideia que tenho dos investimentos chineses é que são muito cautelosos, estudam muito bem os problemas e participam sempre numa perspectiva de que a sua indústria, de que a sua tecnologia possa vir a beneficiar de investimentos em que as empresas em que participam...
“O poder político pode ajustar a fixação de preços da energia”
Reduzir o défice tarifário é uma exigência da ‘troika’ e só há duas soluções: aumentar o preço da energia ou reduzir o seu custo.
Uma das exigências da ‘troika' é que se reduza o défice tarifário da electricidade até acabar em 2020. Vai ser difícil?
Mas tem de terminar... O défice tarifário, que foi um bocado uma cópia do que Espanha criou, é um elemento negativo.
O défice tarifário do sector eléctrico este ano vai agravar-se em 200 milhões, de 500 para 700 milhões. É uma situação preocupante? Temos um défice fora de controlo?
Há duas soluções: ou aumentam o preço da energia, agravando a competitividade das empresas e os custos das famílias ou reduzem o custo da energia. Não é preciso ser economista... Ou então fazem as duas coisas em simultâneo.
“Em Portugal a supervisão é sempre branda”
Na privatização da EDP que permitiu a entrada da Three Gorges no capital, António de Almeida “nem pelo telefone” foi atendido.
Tem uma vida profissional muito recheada, um percurso muito rico.
Acho que é rico demais... porque considero-me um homem feliz do ponto de vista pessoal, mas também profissional porque venho de uma origem muito humilde - o meu pai era caiador, a minha mãe era trabalhadora rural.
Sente que o país reconheceu em si aquilo que deu ao país?
Numa determinada fase da vida sim. Nesta fase final não. Na parte final da minha carreira tenho uma história que de facto demonstra o ponto a que chegámos. Como ‘chairman' da EDP, na última fase de privatização, com a entrada dos chineses, nem pelo telefone com o chefe de gabinete da então secretária de Estado, consegui falar.
É estranho que o presidente do órgão onde estão representados todos os accionistas não seja ouvido em questões fundamentais.
Fui ouvido, fui sempre ouvido. Quando o actual Governo tomou posse deixei de ser ouvido, nem pelo telefone... Na grande operação de privatização através da qual a Three Gorges entrou no capital nem pelo telefone consegui ser atendido.
Porque o primeiro-ministro era Passos Coelho e o senhor tem ligações desde sempre ao PS?
Não... Não faço essa ligação, até porque o primeiro-ministro Passos Coelho teve a gentileza de me receber em Agosto de 2011. O primeiro-ministro foi impecável comigo, mas na altura (Agosto de 2011) não havia ainda a escolha e o processo de privatização. O problema foi no Ministério das Finanças. Não sei se tem a ver com o facto de eu ter uma conotação - embora não seja militante - ao PS.
O titular das Finanças nessa altura era Vítor Gaspar.
Não tentei falar com o ministro Vítor Gaspar porque reconheci que estava muito ocupado. Como quem tinha o pelouro das privatizações era a secretária de Estado, tentei pelo telefone, pessoalmente, por carta, pedir que me ouvissem. Não tive sucesso. Não deixei de dormir nenhuma noite por causa disso.
Fica magoado com este Governo por essa circunstância?
Não. Quem fica mal visto é o Governo, não sou eu.
No tempo do PS não era tudo rosas. Também teve uma relação algo conflituosa com Manuel Pinho.
Não. Isso não é verdade. Com o ministro Manuel Pinho, a minha relação, do ponto de vista pessoal, foi sempre excelente e ele deu-me um apoio que jamais esquecerei quando, em 2009, fique gravemente doente. Havia depois aspectos profissionais em que de facto não coincidiam as nossas opiniões.
Do ponto de vista institucional não correu muito bem.
Correu bem...
O senhor é que contou que Manuel Pinho ameaçou despedi-lo três vezes.
A minha escolha para o conselho geral e de supervisão teve uma base racional que envolveu o próprio primeiro-ministro José Sócrates escolheu alguém que pudesse, de certa maneira, exercer a supervisão do conselho do António Mexia. Mas aquilo logo desde início começou a deturpar-se. O próprio regulamento do conselho geral e de supervisão foi redigido por alguns accionistas e no gabinete do ministro das Finanças sem a minha presença. Portanto, logo de início se tentou criar condições regulamentares que de alguma maneira limitassem aquilo que se temia, que era uma intervenção excessiva do António de Almeida na actividade do António Mexia.
Mas de onde vinham esses receios? Da parte do próprio António Mexia?
Admito que sim... A minha relação com o António Mexia durante seis anos foi excelente porque fizemos um pacto logo no princípio. Falávamos todos os dias e sempre procurámos, e conseguimos, resolver diferendos numa base saudável e leal.
Mas nem sempre foi fácil.
Com o António Mexia foi fácil. Ele tem um estilo de gestão e pessoal muito activo e eu também não sou uma pessoa amorfa. Quando ataco um problema ataco mesmo e muita gente pensava que estes dois estilos iriam produzir uma faísca enorme, que não conseguiríamos viver e conviver durante muito tempo. Não foi verdade. Tivemos um almoço muito simpático num café aqui junto ao rio e civilizadamente definimos as regras de convivência. António Mexia respeitou essas regras até ao fim.
Foi uma boa decisão manter Mexia na liderança da EDP?
Indiscutivelmente. A grande viragem da EDP inicia-se com o João Talone, mas teve uma aceleração espectacular com António Mexia.
António Mexia e Eduardo Catroga são da mesma área política, não há o risco de uma supervisão branda?
Em Portugal, infelizmente, a supervisão, de uma forma geral, é sempre branda.
Os membros independentes do conselho de supervisão são nomeados pelo Estado, logo não são assim tão independentes.
Não são independentes. Chamar independentes a pessoas que são escolhidas pelos accionistas, muitas vezes com outras intervenções, e cuja manutenção do lugar depende exclusivamente disso, perdem completamente a característica de independentes.
Como definiria a supervisão que é feita actualmente na EDP?
Não faço ideia. Sabe que tenho uma regra na vida que sempre segui e sempre me dei bem: no dia que corto, corto.
Acredita que já se festejaram algumas escolhas em algumas nomeações do Governo na EDP, como foi noticiado?
Li nos jornais, é o que consta.
Fala-se do ‘lobby' eólico. Há uma forte possibilidade de isto ter acontecido?
Se pergunta se é uma possibilidade, dir-lhe-ei que sim.
Mexia é um homem poderoso que mexe neste momento com muitos milhões.
É um homem poderoso, isso é indiscutível. Qualquer presidente executivo da EDP que não esteja em desgraça com o poder político, com os accionistas, é um dos homens mais poderosos da sociedade portuguesa.
Ainda fala com ele hoje?
Sim, telefonamo-nos e almoçamos de vez em quando.
Ficou uma amizade.
Ficou uma amizade muito marcada pelo respeito que tivemos um pelo outro, mas sobretudo por um acontecimento: no dia em que me foi detectado cancro do cólon muito avançado falei com o Mexia e a reacção dele foi de grande emotividade e ajudou-me de uma forma em que eu jamais esquecerei a combater o cancro.
Voltamos a Manuel Pinho. Ele ligava-lhe assim do nada e dizia-lhe "vou despedi-lo"?
A minha relação com o Manuel Pinho foi muito boa. Houve duas ou três situações que nem levei a sério porque não acredito que o Manuel Pinho me quisesse despedir, mas ele reagia a quente. Quando alguma coisa o contrariava reagia dessa maneira. Eram ameaças que nunca me perturbaram muito.
Nunca ameaçou bater com a porta nessas alturas?
Não, porque havia uma pessoa que tinha confiança total em mim, que era José Sócrates.
Era Sócrates que lhe dizia "não ligue ao que Manuel Pinho diz" e lhe pedia para ficar?
Não. Nunca disse a José Sócrates que ele me tentou despedir.
Continua a ter uma boa relação com José Sócrates?
Tenho uma boa relação com José Sócrates. Foi das poucas pessoas que quando fui fazer o tratamento de radioterapia e quimioterapia em Junho de 2009, ligou para a minha secretária a saber de mim e sempre muito preocupado comigo.
É fácil tirar o poder a uma pessoa em Portugal?
Sim, é facílimo.
Há uma excessiva interferência do poder político nas empresas em Portugal?
Directamente não, mas o exercício do poder político nas empresas faz-se, sobretudo, de forma indirecta através da escolha de pessoas para determinados órgãos.
Foi substituído por Catroga no conselho geral e de supervisão da EDP. Foi uma boa escolha?
A escolha possível. A escolha natural no conselho geral era o vice-presidente, que exerceu funções durante seis anos, subir a presidente. Falamos do professor Alberto Castro. Não foi.
Houve uma escolha política.
Indiscutivelmente.
Mas de competência?
De competência. A maior parte das escolhas políticas são de gente competente. O facto de uma pessoa ser escolhida politicamente não pode ser um elemento negativo.
Referia-me concretamente ao caso de Eduardo Catroga para este cargo.
Eduardo Catroga é uma pessoa competente para qualquer cargo. Seria completamente negativo fazer-se uma referência negativa relativamente a Eduardo Catroga.
Um homem muitas vezes polémico também, sem papas na língua.
Sim. Isso é uma característica dele. As sociedades sem pessoas polémicas, de cordeirinhos, sempre todos a abanar com a cabeça e todos de acordo com o discurso oficial do momento são sociedades com uma comida sem sal nenhum. O Ulrich é polémico, o Belmiro de Azevedo muitas vezes foi polémico, como eu já muitas vezes fui polémico na vida.
Catroga é um homem com uma relação muito próxima com Passos Coelho...
Não sei.
Ajuda no desempenho deste tipo de funções?
Não. Não é uma vantagem. Tratei uma vez em seis anos um assunto com o primeiro-ministro José Sócrates. Nunca falei com ele sobre assuntos da EDP. O meu diálogo era com o António Mexia e, de três em três meses, ia ao Ministério das Finanças apresentar as contas da EDP.
Continua a falar com Catroga?
Sim. Encontramo-nos muitas vezes no elevador ou no parque de estacionamento.”
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